Expresso de Fafe entrevista Raul Cunha:
Expresso de Fafe (EF): Recordando o processo autárquico, que acabou com um resultado favorável ao Partido Socialista e a renovação do seu mandato. O resultado que conseguiu foi na linha do que estaria à espera ou havia a expectativa de chegar à maioria absoluta?
Raul Cunha (RC): Entendíamos que, com o nosso trabalho durante estes quatro anos, merecíamos uma maioria absoluta. De qualquer modo, merecemos a confiança dos fafenses. Não obtivemos a maioria absoluta penso eu por condições estranhas e excecionais, como foi o não apoio da estrutura local do PS a esta candidatura do próprio PS, que é uma coisa difícil de se entender. Quando os órgãos nacionais me convidaram e desafiaram para abraçar este projeto foram muito claros quando confrontados com a discordância da estrutura local do partido: disseram que esse problema passaria a ser um problema interno do PS, que o partido resolveria. Eu fiquei descansado quanto a esse aspeto, mas pelos vistos não se resolveu bem.
EF: Chegou a acreditar, no tempo que mediou a sua indicação como candidato pelos órgãos nacionais e a data das eleições, que fosse possível chegar a um acordo com a estrutura local do PS?
RC: Fiquei muito surpreendido com a atitude das pessoas que em Fafe representavam o PS. Nunca pensei que fosse possível a inversão total da opinião que as pessoas me manifestaram e do apoio que me tinham dado quatro anos antes, em que me foram convidar para vir dar uma ajuda às dificuldades que naquela altura o PS tinha em Fafe. De repente, ser confrontado com uma hostilidade e com uma agressividade no discurso, surpreendeu-me e entristeceu-me.
EF: A forma como decorreu esta campanha, a “agressividade” de que fala da candidatura liderada por Antero Barbosa e José Ribeiro, vai deixar sequelas? Essas sequelas poderão condicionar este mandato, do ponto de vista político?
RC: Penso que o relacionamento pessoal e político não voltará a ser como foi. Havia uma relação não só política, mas de amizade, que ficou abalada e dificilmente voltará a ser como era. Não é possível na vida das pessoas passar-se uma escova pelo passado e esquecer o que aconteceu.
Mas isso não quer dizer, apelando para a necessidade de se colocar os interesses de Fafe e dos fafenses em primeiro lugar, que não haja espaço para se conversar e criar as pontes necessárias para se criar uma plataforma de entendimento em que possamos trabalhar, independentemente do assunto do PS. Há aqui dois níveis: um que é o nível interno do PS, que a mim enquanto independente me custa interferir, e penso que não devo; e outro patamar, que é o da ação política concreta local, em que acho que há todas as condições, e pela minha parte farei todas as pontes necessárias, para que possamos construir — reconstruir talvez seja a palavra —, uma relação de confiança política que permita conduzir os destinos da autarquia com tranquilidade.
EF: Relativamente ao PS, o presidente da concelhia anunciou a demissão e vai haver eleições no início do próximo ano. Sabemos que não é militante, mas tem uma relação forte ao partido. O que espera destas eleições? Que saia uma liderança concelhia com a qual possa ter uma relação de maior proximidade na liderança da câmara municipal?
RC: A minha relação com o PS é de tal ordem, embora não seja militante, que nunca concorreria contra o PS. Aliás, eu fui desafiado nestas eleições a fazê-lo. Quase todas as forças políticas me manifestaram disponibilidade para me terem como candidato, e eu disse sempre que ou seria candidato pelo PS ou não seria. Nunca concorreria contra o PS, apesar de não ser militante, por isso
é que me surpreende ver pessoas com muitos anos de militância a fazê-lo com alguma facilidade. Sou candidato pelo PS, a minha obrigação é intervir enquadrado pelo PS. Aguardo serenamente. Acho que o PS tem mecanismos próprios, há estatutos, regulamentos, que terão de ser cumpridos. Sinto falta de uma estrutura política de apoio, sólida, aqui no município. Estamos numa situação absolutamente atípica: o PSD deixou de ter liderança, demitiram-se todos; o grupo Independentes por Fafe está de acordo com o PS, mas são um grupo de independentes, não têm uma estrutura montada; o PS tem uma direção ainda em efetividade que concorreu contra o partido e, portanto, de legitimidade complicada; o Partido Comunista deixou de ter representação na assembleia; o Bloco de Esquerda tem uma representação reduzidíssima... Em termos de linhas políticas, está uma grande confusão aqui em Fafe. Está muito dependente do bom senso e da razoabilidade dos protagonistas
que neste momento estão na autarquia, e por isso é que eu acho que aumenta muito a responsabilidade de todos os senhores vereadores.
EF: Faz sentido, no seu ponto de vista, que os militantes do PS, alguns dos quais ex e atuais dirigentes da concelhia que se candidataram com o movimento independente, sejam expulsos de acordo com os estatutos do partido?
RC: Colocando-me no lugar de dirigente de um partido, estas atitudes que aqui e ali foram sendo tomadas por alguns militantes, em que se desvinculam do partido, ou sem desvincular, que ainda é mais grave, concorrem contra o partido, acho que se não houver consequências será muito complicado. Penso que as pessoas uando tomaram as atitudes sabiam o que advinha dessas atitudes, estão conscientes disso. Isso não pode é interferir com a solução de governabilidade da autarquia. Isto não quer dizer que nós, enquanto representantes do PS e autarcas e vereadores com pelouros, com responsabilidade de conduzir os destinos do município, queiramos encontrar alguma desculpa ou pretexto para menos eficiência, dedicação ou trabalho. Eu costumo dizer que nós dançaremos conforme a música, trabalharemos com as condições que nos dão.
EF: O facto de terem rejeitado a delegação de competências no presidente, interpretou como um sinal de menor colaboração, ou ausência de colaboração com a oposição?
RC: Não, até porque houve outras situações que foram em sentido contrário. Notei uma atitude mais contra por parte do senhor vereador do PSD. Pese embora com a ressalva de que não fosse nada pessoal e que tinha muita consideração por mim. Política é política e consideraram que não se sentiam confortáveis com a solução que nós construímos ao colaborar com a família Summavielle e os Independentes por Fafe. Dos outros senhores vereadores, o que o doutor Antero expressou foi que agora era assim, que iríamos experimentar e posteriormente íamos vendo. A não delegação de competências, que era habitual acontecer no município, porque sempre houve gestão de executivos maioritários, não tem problema nenhum. Não será o primeiro município, nem o último. Os problemas maiores resultam da adaptação que os serviços têm de fazer à nova realidade, que terá algum reflexo na capacidade e na eficiência da resposta da autarquia. Se havia assuntos que o presidente despachava todos os dias, agora despachará uma vez por semana ou de quinze em quinze dias, conforme a periodicidade das reuniões. Depois, há processos de obras ou empreitadas que a partir de um determinado volume deixam de estar delegados no presidente de câmara, até agradeço! As pessoas terão de assumir todas as suas responsabilidades. Eu disse que estava disponível para conversar com todos os senhores vereadores, os cinco sem pelouros, para se algum tiver disponibilidade e vontade dar o seu contributo de uma forma mais empenhada e envolvida nas questões da autarquia.
EF: Como lidou com o facto de dois dos seus vereadores terem concorrido numa lista oposta à sua?
RC: Apesar de concorrerem contra nós, estiveram no nosso executivo até ao fim. O engenheiro Vítor e a engenheira Helena nunca entenderam que não tinham condições de permanecer, apesar de concorrerem contra o presidente, que também achou que podiam estar desde que mantivessem a sua função e o trabalho dentro de parâmetros de razoabilidade. Confesso que as últimas semanas não foram fáceis, foi preciso ter alguma dose de tolerância e capacidade de encaixe. Em boa verdade,
nunca os ouvimos num discurso que infelizmente o doutor Ribeiro teve. A questão maior aqui tem a ver como esse grupo de pessoas se posiciona. Quem é que lidera? Quem representa o grupo? O doutor Antero ou o doutor Ribeiro?
EF: Falou com António Costa, após a sua vitória?
RC: Com a doutora Ana Catarina tenho falado mais. Com o doutor António Costa falei duas vezes, para me dar os parabéns e felicitar o trabalho conseguido em Fafe. Porque não foi fácil. O doutor
Ribeiro nunca perdeu uma eleição em Fafe. Chamei-lhe uma vez o Cristiano Ronaldo das eleições em Fafe. Deu sempre vitórias enormes ao Partido Socialista.
EF: E desta vez também não perdeu. Ganhou a eleição para a assembleia municipal, e depois a eleição para a mesa. Ficou surpreendido ou desiludido com o resultado que ditou José Ribeiro para a presidência do órgão?
RC: Não fiquei desiludido, era o resultado que esperávamos. Espero é que volte a vir ao de cima, no doutor José Ribeiro, a pessoa de apego aos valores e à ética, que eu acho que durante algum tempo abrandou, e que seja capaz de dar o seu contributo enquanto presidente da assembleia. O doutor
Ribeiro não foi presidente da assembleia no último mandato porque não quis. Poderia absolutamente ser, aliás, seria o presidente da assembleia natural. Não vejo mal nenhum em ser presidente da assembleia agora, é muito bem-vindo. Temos é todos de ter uma preocupação institucional e cada um respeitar e não se envolver na esfera de trabalho dos outros. Acho que estes
quatro anos ‘sabáticos’, digamos assim, de afastamento da atividade autárquica, poderão ajudar a que no exercício do lugar de presidente da assembleia não tenha a tentação de se envolver na gestão quotidiana do município.
EF: Face à correlação de forças na assembleia municipal, que tem competências importantes na deliberação sobre algumas matérias que emanam do executivo, espera que haja dificuldades na aprovação de documentos importantes, nomeada mente orçamentos?
RC: Espero uma atitude de responsabilidade de todos, dos membros da assembleia municipal e das juntas de freguesia também. A eleição da mesa ainda mantinha muito a questão emocional. Tivemos
na eleição da mesa a postura do PSD, que me disseram, e isso foram posições formais de alguns responsáveis do PSD, que ‘a eleição da mesa é um assunto, a gestão quotidiana depois na assembleia será diferente, não terá a mesma atitude de votação organizada num determinado candidato’. E os senhores presidentes de junta também têm de ver que muito do que podem esperar da autarquia, para terem condições para gerirem as suas freguesias, depende muito do orçamento da câmara. Também têm interesse na aprovação destes documentos.
EF: Vamos falar do futuro. Como é que antecipa o mandato?
RC: Há condições para podermos esperar um bom mandato. Será muito a concretização do trabalho que foi preparado no mandato anterior. As grandes obras estão em concurso. Temos aqui muito trabalho para fazer na área do apoio às indústrias, na área da descentralização e reforma administrativa que está aí a vir e que é necessário que nasça bem.
EF: Destaque alguns aspetos que prevê que venham a ser determinantes. O que vai marcar este mandato?
RC: As novas escolas — a Escola Secundária e a Escola Carlos Teixeira —, o nó de Arões e o bairro da Cumieira. Em relação à Cumieira, existe projeto, está feita a candidatura, o financiamento, e já está em fase final do concurso. Não vamos fazer casas novas, vamos restaurar as que estão: mudar os telhados, colocar isolamento térmico e acústico, meter novas caixilharias, novas janelas, novas varandas, nova canalização. Vamos fazer quase casas novas, mas nas que lá estão. Na área da regeneração urbana, temos a ambição de recuperar o nosso centro coordenador de transportes. O projeto está pronto e também já há financiamento para isso. Vamos fazer a recuperação da Avenida do Brasil e da Praça 25 de Abril. Esta última ainda não foi feita porque achamos que não era altura, com a vinda dos emigrantes, a Senhora de Antime e a campanha eleitoral, mas também já temos o financiamento pronto, para recuperar aqueles passeios, aumentar a luz na praça, substituir as árvores que segundo Serralves não estão de boa saúde e não são as mais indicadas porque tornam a praça
muito escura. Vai ter mais árvores do que tem, mas de outras espécies. No Largo 1o de Dezembro, a rua está a ficar pronta e vamos continuar a obra, numa segunda fase, com o novo largo. Depois, vamos começar a trabalhar nos bairros em Fafe, que estão em condições degradadas de piso, precisam de águas pluviais e saneamento. Há muito trabalho a fazer. Temos ainda a intenção de construir uma piscina, ao lado do multiusos. O programa funcional já está feito e prevê um tanque com 25 metros e duas pistas de 50 metros, mas ainda não há projeto, nem cálculo de quanto irá
custar e como se poderá financiar. Temos todo um mandato e o nosso compromisso é para quatro anos.
EF: Qual é o ponto de situação relativamente ao Nó de Arões?
RC: Está na Secretaria de Estado das Autarquias o processo de expropriação dos dois terrenos que não tinham acordo. Já conseguimos entendimento com um deles e estamos a fazer um último esforço com uma das proprietárias para ver se evitamos expropriação e conseguimos acordo. Logo que seja conseguido, o concurso está pronto, é avançar com o processo. É uma obra muito importante para o desenvolvimento da economia do concelho e em particular daquela região. Não só da zona industrial, mas da própria vila de Arões e freguesia de Golães. Quanto à zona industrial de Regadas, está na parte do levantamento burocrático e terá agora de receber um impulso decisivo.
EF: Quer deixar uma mensagem aos fafenses?
RC: Gostaria de tranquilizar os fafenses, e dizer-lhes que a confiança que nos manifestaram nestas eleições será honrada por nós. Não se deixem contaminar por alguma turbulência política, é algo que faz parte da vida democrática e que não devemos valorizar em excesso. Podem ter confiança que este executivo irá seguramente fazer o trabalho de modo a poder defender os interesses, os projetos e as ambições dos fafenses.