Opinião de Alexandre Leite na revista Factos de Fafe:
A precariedade assume diversas formas e feitios. Mas para que possa ser mais facilmente aceite pelos trabalhadores é pintada de modernidade ou de “melhor que nada”. O desemprego é aproveitado como pressão sobre os trabalhadores, para que aceitem trabalhar apenas para garantir condições mínimas de sobrevivência.
A Câmara Municipal de Fafe deveria dar o exemplo e implementar um programa interno de atribuição de um vínculo laboral efectivo a trabalhadores que ocupem um posto de trabalho permanente, com o objectivo de se atingir a “precariedade zero”. O que temos visto é, em muitos casos, um patrocínio da precariedade.
Programas como o “Ser Solidário”, que diz ter como objectivo desincentivar o abandono dos estudos, o que tem a oferecer aos jovens é um trabalho precário, indiferenciado, de baixo salário e em que dificilmente se conseguem vislumbrar os ganhos dessa experiência, numa área profissional que pode até não ter nada a ver com o curso superior que o jovem pretende concluir. Aquela pele de cordeiro traz por baixo uma ajuda às instituições, que de bom grado recebem mão-de-obra “sem custos para o utilizador”. Precariedade com pele de modernidade, qual lobo disfarçado.
Empresas como a Altice e a Randstad que tão generosamente foram recebidas pela nossa Câmara, entregando-lhes, na prática, um edifício quase de borla, não tiveram o mesmo tipo de generosidade quando chegou a hora de fazer os contratos com os trabalhadores. Contratos precários, de baixo salário para a função que desempenham, de curta duração, com horários desregulados, embora todos saibamos que aqueles postos de trabalho serão permanentes e não temporários. Empresas como esta deslocam-se para países com mão-de-obra barata, leis laborais massacradas por décadas de política de direita, como é o nosso caso, e aproveitam-se ainda das escandalosas regalias oferecidas por certos municípios. A riqueza produzida pela trabalhadores de empresas como estas será convenientemente arrecadada, aglomerada, desviada para paraísos fiscais.
Mas estes processos, como outros pintados de modernos, não são uma inevitabilidade, muito menos modernos. É possível interromper o retrocesso civilizacional da precariedade. O novo quadro político na Assembleia da República, resultado das eleições de há um ano, permitiu derrubar o governo PSD e CDS que se preparava para aprofundar ainda mais os cortes nos rendimentos dos trabalhadores, nos seus direitos laborais e promoveu o trabalho gratuito nos feriados retirados. Mas é preciso muito mais do que isso. É urgente recusar a precariedade como modelo, que os trabalhadores e as organizações que os representam assumam a luta por um mundo mais digno e mais justo.